25/09/2024

 A ESCRITA



Escrever é sempre um ato solitário.

É uma luta calada no silêncio e no desafio.

Escrever é rasgar,  os sentidos em branco por descobrir,

com sulcos de arado no terreno da folha.

Escrever é enfrentar o mundo com a caneta da criatividade,

segurando a charrua,  prenhe de novas palavras, com barbas de velhice.

Escrever é trazer no ventre  a chuva  fecundante 

e à estéril mensagem do descobrir aquilo que não pensei existir na leitura do que escrevi.

Escrever é um  impulso contra a minha vontade de ficar calado,

porque as palavras saltam-me na mente, como cabritos no prado.

Escrever é colocar as palavras a trepar as cascatas do sentido.

É dobrar os cumes das montanhas e tecer nos verdes da paisagem  as flores  e os frutos.

Escrever é cravar e ver o que não se diz, nas palavras sempre novas de cada texto.

 E mesmo vestidas de  longe e já gastas pelo assobiar do vento,

E polidas  pelo cansaço  do tempo…

As palavras criam sempre o seu caminho,

Mesmo esquecidas na sombra dum sopro do vento.

26/07/2024

 



O arco perfeito duma luz transposta

nas vigas e pilastras dum texto arbóreo

Rompe as emoções e os cantos de pássaros livres,

Onde o ar ganha volume e a música sabor.

Aqui no centro da criação, 

No peito da família há um berço criança

Há uma cruz em potente coração,

que em dádiva ao céu se ergue a torre.

E um olhar percorre o Azul infinito

Da criação ondulante gaudiana.

E é um gáudio estar ali,  lá e  aqui.

Voltar à memória de um curral,

Onde o animal te aconchegou humanamente,

E, animalmente,  te escorraçaram  da estalagem

com um "não há lugar! Estamos à cunha !"

Aqui tens o teu berço, amparado por anjos, 

Onde as mãos de concha maternal seguraram

A alma de um artista maior que o mundo.

Aqui as colunas sobem em árvore ao alto

 E como ramos carpinteiam  a humanidade de José.

Aqui estou eu, reduzido à formiguinha do pasmo

Bebendo e bebido de espanto num olhar visitante.

Aqui já nem eu sou. 

Tornei-me viajante de onde não estou,

Porque a arte não tem arte, mas a beleza tamanha

De ser céu sem artificio nenhum.


No centro da Sagrada Família, Barcelona julho de 2024

09/07/2024

 


O poeta não nasce.

Faz-se todos os dias.

“Todos os dias são de poesia”.

Os dias fazem-se de escritas, muitas vezes invisíveis;

De poemas que ficaram por escrever e partilhar;

De choros e alegrias;

De desencanto e encantamentos;

De mensagens de amor escritas no vento;

De olhares fitos no sol poente…

A vida faz-se de tudo e de nada.

A vida é inclusão,

 Mesmo quando marginalizada.

A vida é sopro de brisa vespertino,

A vida  é tantas vezes desatino!

Mas num olhar chão,

É lágrima que corre na face do velho, já gasta,

É orvalho no rosto da criança,

É sorriso no gesto do jovem de enamoramento,

É o indizível repetido de cada amanhecer.

A vida torna-te cinzel e poeta da tua existência.

A vida apenas em si basta!


A vida está aí, como palavra que dança,

Esperando quem a vai escrever

Agarra-a!

E com a força da poesia

Escreve a tua história.

E a Vida jamais será uma folha vazia!