18/12/2013

A DOR DO POETA


Ando memoriando
Cada frase do passado
Em palavras que não disse e
Em sílabas que não articulei,
Esdrúxulo, grave ou agudo...
Tónica ou átona  partitura.

Memoriando!....
E as palavras são vazias
Como a alma dum defunto.
As palavras são ocas
Como o eco da distância.

Ai as palavras!
Essa melodia perdida dos discursos
Esse ar que foi azul,
Esse céu que  foi liso
Esse ar que foi fresco
Esse poente que foi quente
Essa madrugada chorosa de orvalho...

Ai as palavras
Que a memória traiu
Nos livros  da crise,
Nos versos da desesperança
Nas canções de embalar
Nas noticias da desgraça
Como mortalha de um povo.

Ai das palavras
Que mataram a memória dos dias,
Que mataram o perfume das flores,
Que encurtaram o voo dos pássaros,
E desbotaram suas cores.
Como me dói esta falta da memória
Ai como me magoa a palavra oca
Das tardes alpardinhas
Promissoras da desesperança do escuro.
Ai! Como me dói essa dor de não doer!
Porque as palavras passaram à indiferença coletiva.

Ai das palavras!
Ando à procura da memória do meu povo.
Acendo a minha lanterna e procuro o Homem:
Vou ao calhau à busca dos marinheiros....
Vou às praças à procura do filósofo ...
Vou à ágora  para abraçar o político...
Vou onde nem sei,  à procura do pastor,
Mas só encontro o vazio das palavras
no vazio das bocas
no vazio dos lugares
no vazio da memória.

Ai das palavras!
No regresso, desanimado,
Tropeço nas palavras dum louco
Que teima em arar as palavras
Na canga  duma junta de bois...
Que teima em lavar-lhes o rosto,
No riacho vendido do país,
Mas ele nem tem dinheiro, nem sabão...
Apenas a vontade de tocá-las,
Amá-las, como da primeira vez.
E como uma mãe embala-as
Nos versos que não escreve
Nas memórias do que foi.

Ai as palavras!
E o louco beija o orvalho das manhãs,
Como se a frescura fosse uma noiva
E aperta-lhe o pescoço
Desesperado pelas palavras que não chegam
Pela esperança que partiu
Na vanidade das palavras ditas,
Sem ética e sem verdade.
Ai que angustia angustiada
Ai que desespero...
Sem palavras!...
Ai as palavras!
Ai o Louco.

Ai das palavras porquê o condenam?

Ele é condenado por cantar as palavras sem memória
Ele é condenado pela surdez do seu grito.
Ele é condenada por beijar o olhar das palavras.
E por acariciar o rosto  feliz das crianças...
Ai! Ai! PALAVRAAAAAAAAAAAAASSSSSSSSSSS!!!!!!!!!!!!
Ele foi executado lavando as palavras
Com a esperança dos simples
E vestindo-as com as cores da sua pele exangue,
E  enlaçando-as com a ternura dorida dos seus braços,
Rasgou-as da dor do seu POVO,
E como um cão que guarda a casa do seu dono,
O poeta guarda a alma do seu POVO.

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